A pandemia do novo coronavírus tem deixado um número alarmante de mortos em diferentes partes do mundo. Até este domingo (29), 3.295 pessoas morreram na China e outras 10 mil faleceram na Itália em decorrência da Covid-19. No Brasil, já foram confirmadas 114 mortes e, em Minas, há o registro de 231 casos, sem óbitos registrados oficialmente. Profissionais da saúde, no entanto, acreditam que os números oficiais de infectados revelados pelo Estado estão longe da realidade.
Para eles, a distorção nos dados pode amenizar a compreensão da pandemia e acabar ajudando na proliferação do vírus. Médicos e enfermeiros ouvidos pelo BHAZ denunciaram que o teste para a doença só é realizado em pacientes que apresentam severa dificuldade para respirar. A maior parte dos testados, conforme as denúncias, já estão entubados ou nos CTIs (Centros de Terapia Intensiva).
“O número de casos certamente é muito maior do que está sendo divulgado oficialmente. Só estão testando os pacientes que evoluem com insuficiência respiratória”, contou a médica de família e comunidade Júlia Rocha, em entrevista ao BHAZ. Ela atua em uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) da região metropolitana de Belo Horizonte.
De acordo com Júlia, a parte testada corresponde à minoria dos casos. “É uma fração muito pequena do total [que faz o teste]. Não se faz o exame em todo mundo e, quando se faz, o resultado demora para sair”, completa a médica.
Por que os números importam?
O presidente do SEEMG (Sindicato dos Enfermeiros de Minas Gerais), Anderson Rodrigues, corrobora a percepção de Júlia e explica o porquê a subnotificação e a não notificação podem agravar a situação no Estado.
“As pessoas podem não ver o tamanho da pandemia do Covid-19 e, com isso, podem voltar para suas atividades normais. Assim, os infectados vão repassar o vírus e o sistema de saúde vai entrar em colapso”, esclareceu ao BHAZ.
Rodrigues acrescentou que a categoria está preocupada com as aglomerações que passaram a se formar após a fala do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Na última terça-feira (24), o mandatário disse em pronunciamento, em rede nacional, que era contra o isolamento social de pessoas com menos de 60 anos.
“Estamos preocupados com carreatas que estão sendo feitas na porta de prefeituras. O vírus pode ter uma letalidade baixa, mas isso depende da quantidade de pessoas infectadas. Por isso a quarentena é tão importante”, explicou Rodrigues.
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Um enfermeiro de 31 anos, que trabalha em dois hospitais grandes do Estado, revelou, sob a condição de anonimato, que os casos de insuficiência respiratória tem aumentado nas unidades de saúde. No entanto, a escassez de testes impede que se saiba qual é a doença que provoca os sintomas.
“Alguns casos nós temos quase certeza [de que o diagnóstico é Covid-19] e não é divulgado. Quando o exame é feito, o resultado demora entre cinco e sete dias. Às vezes, os resultados são inconclusivos”, revelou.
Pacientes vão pra casa com a dúvida
O diretor jurídico do Sinmed-MG (Sindicato dos Médicos de Minas Gerais), o pneumologista Maurício Meireles Góes, revelou que muitos pacientes são mandados para o isolamento em casa sem fazer o teste para confirmar o diagnóstico. “São pessoas que estão com o vírus e não entram na estatística. O certo seria fazer mais exames em pessoas com os sintomas e até pessoas que estão em casa”, considera o especialista.
Ele explicou ainda que, na maior parte dos casos, os óbitos ocorrem em decorrência de complicações do Covid-19. “Os pacientes morrem com quadro de choque séptico, quando o vírus provoca outras alterações. Inclusive com infecções secundárias, como pneumonia bacteriana”, exemplificou. Há pessoas que podem ter insuficiência renal ou até infarto, já que o vírus pode atacar a parte cardíaca, segundo os especialistas.
Unidades de saúde lotadas
Nessa sexta-feira (25), a médica Júlia Rocha postou um vídeo em sua página do Facebook relatando o drama que tem acompanhado em uma UPA da região metropolitana de Belo Horizonte. A especialista contou que a unidade está lotada com pessoas com múltiplas doenças e casos suspeitos chegando a todo momento. Entre os doentes, há jovens de 24 e 27 anos.
“Muitos pacientes são jovens. Hoje (quinta-feira), eu atendi um paciente de 27 anos que trabalha no comércio. Ele chegou com uma saturação péssima, respirando com dificuldade. Ele precisou ser estabilizado para ser transferido para a referência [hospital] de Covid-19. Atendi uma menina jovem de 24 anos, asmática, que chegou depois de ter contato com o patrão dela que chegou de uma viagem para a Europa há duas semanas. Ele foi gripado para onde trabalha e disse que era só uma ‘gripezinha’. Ele contaminou essa menina e outras pessoas também”, revelou a médica.
Júlia acrescentou que atendeu uma mulher de 52 anos. “Os casos não param de chegar, eu soube agora que há manifestações marcadas. Eu não sei o que a galera tem na cabeça. A gente está falando de um SUS sucateado que vai atender cada vez mais casos de Covid-19 porque as pessoas querem voltar a trabalhar. A gente sabe que há interesses econômicos que estão fazendo as pessoas buscarem esse posicionamento. As pessoas precisam sim de renda e quem tem que arcar agora é o Estado”, acrescentou.
Ela voltou a afirmar, como diversos órgão de saúde do mundo, que a quarentena é necessária. “Não vai morrer só pessoas idosas, essas pessoas (jovens) que eu atendi hoje correm o risco de morrer. Eu acho importante que vocês desencorajem seus amigos, conhecidos e familiares que querem voltar para a rotina”, alertou no vídeo.
Escassez de equipamentos
Os médicos, enfermeiros e outros profissionais da área da saúde revelaram que há ainda falta de máscaras e outros equipamentos de segurança que possibilitam a interação com o paciente. O Sinmed-MG lançou no site uma cartilha para orientar os profissionais. Clique aqui e veja o material.
O diretor jurídico do Sinmed-MG, o pneumologista Maurício Meireles Góes, informou que um canal de WhatsApp foi aberto para que os médicos façam denúncias de problemas relacionados ao tratamento do novo coronavírus.
“Eles falam da falta de Epis e também da sobrecarga das equipes. Já que muitos médicos dos grupos de risco foram liberados”, explicou. O órgão tem encaminhado ofícios para hospitais e prefeituras relatando os casos. O médico que quiser fazer uma denúncia pode entrar em contato pelo WhausApp (31) 99302-0097."
O presidente do SEEMG (Sindicato dos Enfermeiros de Minas Gerais), Anderson Rodrigues, se preocupa com a saúde dos enfermeiros que estão na ponta da batalha contra o vírus. “Quem está na ponta são os enfermeiros e faltam luvas, aventais para fazer entubação, máscaras. E há a dificuldade de trazer esses materiais com a volta de alguns casos na China”, relatou.
Com relação aos equipamentos, a SES (Secretaria de Estado de Saúde) informou, por meio de nota, que a aquisição de materiais vai ser realizada de forma mais rápida com o decreto de Situação de Emergência, no último dia 13, já que a situação desobriga que o Estado faça processos de licitação. Mais profissionais da saúde também serão contratados.
“Ressaltamos, portanto, que são consideradas essenciais as ações de compra, distribuição e monitoramento dos equipamentos de proteção individual para todos os trabalhadores de saúde. Sendo assim, a instituição de saúde que apresentar qualquer dificuldade de aquisição de materiais e insumo deve, imediatamente, solicitar os produtos à SES”, informou a nota.
Os esforços estão voltados para garantir o abastecimento de equipamentos e insumos necessários aos profissionais da saúde”, complementa.
O que a SES diz sobre exames e notificações?
A SES informou, por meio de nota, que as notificações dos casos seguem o fluxo de informações e que os casos suspeitos devem ser informados em até 24 horas. A SES admite que os exames não são feitos em todos os pacientes.
Os testes são realizados em todas as pessoas com Síndrome Respiratória Aguda Grave que estão hospitalizadas, em profissionais de saúde sintomáticos, em óbitos suspeitos, em amostras de unidades sentinelas de Síndrome Gripal (SG) e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e por amostragem (veja mais detalhes abaixo). Confira a nota completa:
“Em relação às notificações, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), por meio do COES Coronavírus, explica que o fluxo de informações da Sala de Situação atualmente é o seguinte: assim que o caso suspeito é identificado pelo serviço de saúde, é realizada uma triagem com este paciente de acordo com dados clínicos e epidemiológicos, auxiliando na tomada de conduta de interação ou isolamento domiciliar. O profissional de saúde entra em contato com o CIEVS-Minas ou Unidade Regional de Saúde para discussão do caso.
Definido como caso suspeito, o município preenche um formulário com os dados do paciente denominado RedCap, específico do Ministério da Saúde. Através deste formulário é gerado todo o banco de dados do Coronavírus no Estado. O COES Coronavírus analisa esse banco de dados diariamente, reclassifica os casos, solicita novas informações ao município e faz o cruzamento dos resultados de exames laboratoriais. Após todo esse trabalho, que é realizado até as 13h do dia corrente, é que os dados estarão tratados para fazerem parte do Boletim Diário.
A doença causada pelo Novo Coronavírus (Covid-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) assim, todo caso é de notificação compulsória IMEDIATA, ou seja, deve ser comunicada por profissional de saúde em até 24 horas a partir da ocorrência de casos suspeitos, conforme determina a Resolução SES/MG n. 6.532/2018. Sendo assim, teremos situações a serem notificadas que os doentes manifestam quadro de Síndrome Gripal (SG) e outras situações que se enquadram em Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Sobre quem está sendo testado, a SESMG informa que se enquadram em situações com indicação para coleta de amostras e testagem para COVID-19 no momento atual:
Informamos ainda que a Fundação Ezequiel Dias (Funed) deu início à realização do exame para identificação do Covid-19 das amostras suspeitas em Minas Gerais, no dia 12 de março. A Funed recebe amostras biológicas de todos os municípios do estado, das unidades de atendimento de saúde, sejam elas públicas ou privadas. Até o dia 24/3, mais de 3.500 amostras deram entrada na Funed. Dessas, aproximadamente 2,5 mil estão em análise ou já foram processadas e as demais estão em processo de triagem.
A SES-MG informa também que há variação no tempo de liberação de resultados, segundo demanda recebida. As amostras, exames e resultados estão sendo recebidos, conferidos, processados e tendo os resultados liberados no sistema entre 48 e 72h a partir da entrada das amostras na Funed. A SES informa ainda que para agilizar o processo foram habilitados pela Funed para fazer os exames os laboratórios Hermes Pardini, Laboratório Fleury e Laboratório Álvaro.
O que diz a Secretaria Municipal de Saúde?
A Secretaria Municipal de Belo Horizonte, por meio de nota, também afirmou que não faz teste em todas os pacientes. A pasta afirmou que segue orientação do Ministério da Saúde e faz os exames em pacientes graves, que demandam internação. O órgão informou ainda que não registrou aumento no número de atendimentos nas UPAs. Números de atendimento por dia:
“De acordo com orientação do Ministério da Saúde, os exames são feitos em pacientes graves, que demandam internação. Os pacientes que procuram as unidades de saúde e centros especializados com sintomas respiratórios são notificados como suspeitos de COVID 19. Os profissionais já foram sensibilizados para esse registro e a capital tem um serviço eficiente em relação a vigilância epidemiológica dos casos, com uma rede sensível e atenta para diagnóstico e notificação dos casos. Não foi registrado aumento na procura.
Conforme previsto no Plano de Contingência, já foram abertos novos serviços, de forma ampliar o acesso da população. São dois Centros Especializados em Doenças Respiratórias, um na região Centro Sul e outro em Venda Nova. Militares do exército estão dando apoio administrativo nesses locais. Nas próximas semanas está prevista a abertura de mais dois Centros Especializados. Foram instaladas tendas das UPAs, de forma a ampliar a recepção e pediatras da Polícia Militar foram cedidos para a Prefeitura, e estão atendendo nas UPAs Pampulha e Venda Nova.
No que se refere a respiradores, a capital têm capacidade para atender até 7000 pessoas simultaneamente. No momento não foram adquiridos novos equipamentos, mas a Secretaria Municipal de Saúde monitora sistematicamente a situação e, se necessário, adotará outras medidas, previstas no Plano de Contingência.
Belo Horizonte está seguindo as orientações da Secretaria de Estado de Saúde com relação a utilização dos insumos necessários no atendimento a casos suspeitos de COVID 19. Não há falta destes equipamentos de proteção individual na Rede SUS-BH. Somente os profissionais que mantém contato direto com os pacientes de casos suspeitos, fazem uso da máscara N95. Os profissionais que realizam o atendimento da linha de frente do Centros Especializados, UPAs e Centros de Saúde, como recepcionista, administrativo responsável pelas fichas e enfermeiros que se encontram na classificação, fazem uso das máscaras simples.
A Secretaria Municipal de Saúde já implantou local específico para realização de coleta para diagnóstico COVID 19, dos profissionais de saúde que prestam assistência direta (clínico assistencial) e apresentem Síndrome Gripal. Os demais trabalhadores que atuam em ações que exigem circulação e visitas nos imóveis, como os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias, já foram orientados sobre as adequações necessárias para evitar possível contaminação.
No dia 20/3 foi publicado no Diário Oficial do Município a PORTARIA SMSA/SUS-BH Nº 089/202, que regulamenta a prestação dos serviços na Secretaria Municipal de Saúde e as medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo Novo Coronavírus (COVID-19). Dentre as medidas de prevenção ao contágio, os profissionais com idade superior à 60 (sessenta) anos, as gestantes e os comprovadamente imunossuprimidos foram afastados do trabalho presencial, realizando suas atividades por meio do teletrabalho. Todos os profissionais são orientados a, caso apresentem sintomas de doenças respiratórias, comunicar à chefia imediata e ser afastado das atividades, de forma preventiva.“
Fonte: BHAZ